21 de mar. de 2013

Demarcando território, em tempos de fronteiras fluidas

A percepção de uma diferença entre a linguagem do vídeo e a linguagem das outras mídias audiovisuais (o cinema e a TV) marcou o pensamento a respeito da produção videográfica em seus diversos formatos até a década de 90 do século XX. A questão das especificidades do vídeo começou a ser vista como obsoleta no momento em que a tecnologia digital aplicada à produção e difusão do audiovisual, processo já amplamente disseminado no início dos anos 2000, fundiu as técnicas, linguagens e formatos num caldo cada vez mais complexo e indiferenciado.

Assim, categorias como vídeo arte, vídeo experimental, filme de ficção, documentário, vídeo clip, entre outras, embora ainda encontrem defensores e meios de exibição específicos, tornam-se cada vez mais híbridas em sua estrutura e indiscriminadamente disponíveis na vasta planície da internet. De minha parte, sempre identifiquei o melhor do meu trabalho com o terreno tradicionalmente conhecido como vídeo experimental , e com este nome, eu mesmo sempre fiz questão que meus vídeos fossem rotulados.

Por que “experimental”? O termo vídeo arte sempre me pareceu algo pomposo e demasiadamente vago, como é a própria definição de arte. O termo vídeo independente define somente em parte aquilo que pretendo, pois se independência pressupõe liberdade, não pressupõe necessariamente alguma contundência na expressividade. E liberdade e expressividade são palavras chaves para mim.

O terreno da experiência (daí o experimental) pressupõe algum risco, desprendimento e principalmente liberdade. Quem experimenta, quer se despojar daquilo que está consolidado. Para isso, é bom que não se tenha compromisso com nada mais que não seja sua própria demanda expressiva, tanto na forma quanto no conteúdo, se é que essas duas entidades abstratas em algum momento se separam. Isto é exatamente o que procuro quando realizo um vídeo , embora eu admita a impossibilidade de se desprezar totalmente a técnica, o método e a força da tradição.

Comecei este texto falando de um momento em que era perceptível uma diferença do vídeo em relação ao cinema e a TV. Concordei em seguida com o fato de isso não ser mais totalmente verdadeiro. Na verdade, a percepção geral hoje em dia é de que o vídeo seja apenas um meio que está presente nas demais formas expressivas contemporâneas e em permanente diálogo com elas. Não ignoro este fato. Por que então insisto nesta conversa de vídeo experimental?

Recentemente a tecnologia digital propiciou uma confluência entre dois aspectos do audiovisual que há poucos anos eram inconciliáveis: a alta qualidade de imagem (compatível em certos aspectos com a imagem do cinema tradicional) e o preço acessível das câmeras. Os melhores equipamentos em HD (Hight Defincion), com tecnologia DSLR, simulam com perfeição o funcionamento de uma câmera de cinema. A fotografia pode ser realizada com toda (ou quase toda) a precisão e rigor de uma câmera 35mm, desprezando a utilização do visor eletrônico típico do vídeo para aferimento de foco e diafragma, embora eu considere este procedimento uma nostalgia dispensável.

Isso para muitos representa a possibilidade de um cinema barato. Para mim, representa a possibilidade de um vídeo experimental em alta definição (nunca dispensarei o visor eletrônico!) Estou pela primeira vez usando o HD para produzir um novo vídeo que dá seqüência aos trabalhos postados neste blog, o que muda bastante os parâmetros expressivos do trabalho, em relação ao que eu fazia com o vídeo em formato standart.. Sempre imaginei que quando estivesse diante deste sonho dourado, hoje realizado, de uma câmera de cinema barata (mesmo que digital), eu correria para fazer mais um filme. Porém, para minha surpresa, não quero fazer mais um filme. Quero fazer um novo vídeo experimental .

Voltando à questão técnica relativa ao DSLR, a diferença entre a utilização ou não do visor eletrônico é o que vários autores apontavam como um dos principais elementos definidores de uma linguagem videográfica específica, em contraponto à linguagem do cinema. A fotografia, utilizada no cinema, seria verdadeiramente uma “escrita da luz”. O que vemos no visor da câmera de cinema, não é o que será impresso no filme. Temos que medir, quantificar a luz, para prever com certa precisão o resultado. Com o visor eletrônico da câmera de vídeo, ao contrário, o que vemos ali é exatamente o que será registrado. Ou seja: o vídeo (do latim, eu vejo) ou a videografia, é muito mais uma “escrita da visão”, que uma “escrita da luz”, embora a luz ainda seja nossa matéria prima. No vídeo, registro o que eu vejo. Na foto, registro a luz que aferi. Isto tem uma série de implicações na natureza do trabalho de captação das imagens, e conseqüentemente no resultado final, mas fiquemos aqui com a mera referência ao fato.

Com estas afirmações, pode parecer que eu esteja reacendendo a velha e ultrapassada questão das especificidades do cinema e do vídeo, que para mim, assim como para a maioria, já não existe há muito tempo. Isto me força a pensar novamente nesta velha dicotomia, tão desmentida, mas que se apresenta novamente para mim, e redefini-la sob um novo ponto de vista. Penso que o que existe, e sempre existiu, é uma opção minha por certos procedimentos narrativos (muito utilizados desde sempre pelos videomakers e mais ligados ao terreno da edição que ao da captação das imagens) que os realizadores de cinema de uma maneira geral sempre desprezaram e continuam desprezando. Sinto-me completamente desmotivado para colocar atores, paisagens ou fatos diante de uma câmera, fazer um enquadramento e seqüenciar as imagens resultantes de forma a obter uma narrativa audiovisual linear, à moda do que se vê no cinema, e mesmo em 90% da TV. Estou sempre querendo implodir, distorcer, fragmentar, fundir e recombinar as imagens, para obter fluxos e ritmos narrativos que não dependam necessariamente do corte e do seqüenciamento , embora também os utilize.

Bom, se esta sanha anarquizante, que remonta aos longínquos tempos dadaístas, me aproxima daquilo que sempre foi chamado vídeo experimental e me distancia do que sempre foi chamado cinema, quer dizer que o buraco continua sendo mais embaixo, mesmo com o HD. Para dizer a verdade, considero a utilização do vídeo (analógico ou digital, standart ou HD) para a realização de curtas ou longas “cinematográficos”, uma sub-utilização das possibilidades expressivas do meio. Não estou querendo dizer que as pessoas não devam assim fazê-lo. Pelo contrário. É preciso que alguém o faço. Adoro ver filmes de narrativa tradicional. Só não gosto de fazê-los.


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